Prólogo: Carta inicial do personagem principal
“Fazes o que tu queres a de ser tudo da lei. Lei é amor, amor sob vontade.” Aleister Crowley
É
com um imenso pesar, e por ordens superiores, que eu escrevo esta carta,
juntamente com a minha biografia. Este não é um livro pós-mortum, isto é, ainda
estou em terra, vivo, mas estou à beira da morte, já em leito e bastante
debilitado. Sobre as ordens superiores, na verdade, elas não são, exatamente,
ordens e sim um pedido amigável das entidades, que trabalham comigo, para que
eu deixasse por escrito todas as minhas experiencias. Esta, na realidade, fora
a minha última encarnação, ou seja, a minha última chance, em vida e com essa
matéria corporal, de uma reconciliação com um grupo de pessoas com as quais eu
fui bastante injusto e um algoz mais feroz ainda. Oportunidade para resolver isso
não me faltaram, pois, as tive, _ e falhei_, muitas vezes e em muitas outras encarnações.
Agora, me resta apenas aceitar o meu destino com muita resiliência, já que, tudo
o que está acontecendo foi me explicado com bastante amor e carinho. Verão isso
no decorrer da minha história. Bem, a verdade é essa: as cartas foram colocadas
sob a mesa; o meu destino de réprobo já está escrito pelas diversas
consequências, espirituais e físicas, dos meus atos contrários à minha missão reencarnatória.
Ora, como já dizia o maior médium que já veio a terra, Jesus, tudo que se
planta colhe. Chegou, então, o tempo de minha colheita. Mas vou em paz...
Bem, antes de começar o texto em si, eu
já posso lhe dizer: “Cuidado! É muito perigoso o saber!” E devo acrescentar,
“Ele pode matá-lo ou deixá-lo doente demais”. Parece que estou me dispondo de
uma hipérbole da qual todo poeta se acha no direito de usar a fim de fazer o
texto ficar mais conceitual, porém, neste caso eu não estou fazendo qualquer
referência as artimanhas literárias, das quais pouco me importo em reutilizar. Digo
isto, porque realmente pode levá-lo a loucura ou ao suicídio. E eu não sei qual
dos dois é o pior. Eu fui devasso. Fui machucado pela vida e antes de morrer
deixo, como disse anteriormente, somente este legado para que todos saibam
quem eu fui: um grande imbecil. Eu deveria ter mantido a sanidade mental.
Desculpe-me
se fui muito incisivo e bastante incoerente até agora! Estou morrendo, portanto,
posso estar assim: dividido entre a vida e a morte, contente e triste, tudo ao
mesmo tempo, pois, como disse, tornei-me um velho chato e rabugento, na
realidade, um bruxo velho e rabugento. Estou partindo para o outro lado com
várias frustrações, das quais eu mesmo criei e terei que lidar sozinho. O tal
do auto perdão será o trabalho mais dificil, porém muito necessário. Nesta vida
eu trabalhei demais por dinheiro do qual não valia apena; eu já me escondi na
escuridão da madrugada em lugares que nunca pensariam em me procurar e eu não
sabia _ ou não me importava, por muitas vezes,_ em procurar a saída; já me
trancafiei em casa por vários dias por milhões de motivos; já pensei demais; já
li muito e escrevi pouco; já estudei por horas a fio assuntos indigestos para
desenhar ou pintar um quadro e receber biscoitos de pessoas, das quais não me
importava muito, pois queria apenas os seus contatos para vender minha arte.
Tudo isso está em minha mente neste exato momento da escrita. Mas, devo
continuar com a cabeça erguida, pronto para outra batalha, pronto para matar o
próximo leão. Também porque Seu Zé Pelintra me olha com uma expressão séria
lembrando-me de que não tenho tempo a perder. Vamos, então, para a minha
biografia.
Assinado: Melvins Bürgen de Gama.